HISTÓRIA DO DIREITO PROCESSUAL BRASILEIRO ATÉ O ADVENTO DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO (CLT)
- Leonardo Tibo
- 7 de out.
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Introdução
O presente estudo investiga a evolução histórica do direito processual brasileiro até o advento da CLT (Decreto-Lei nº 5.452/1943). O objetivo principal é fornecer uma base teórica para o exame da ideia do Direito Processual do Trabalho brasileiro.
I. O Direito Processual no Brasil Colônia: A Vigência das Ordenações
I.1. As Ordenações e a Estrutura Judiciária Portuguesa (Séculos XV-XVII)
Quando o Brasil foi descoberto, a legislação processual vigente em Portugal era composta pelas Ordenações Afonsinas (1446), as quais foram sucedidas pelas Ordenações Manuelinas (1521). As Ordenações Manuelinas permaneceram em vigor durante o domínio Espanhol (1580-1640). Durante este período, o Rei espanhol Filipe II (D. Filipe I de Portugal) ordenou a compilação das normas portuguesas, resultando na elaboração das Ordenações Filipinas (1603), que foram as de maior vigência no Brasil, sendo derrogadas apenas pelo Código Civil de 1916.
No período colonial, o Brasil adotava a mesma estrutura Judiciária complexa de Portugal, conforme detalhado no Título I das Ordenações Filipinas. A primeira instância era geralmente formada pelos Juízes Ordinários, que se equiparam à ideia atual de Justiça comum, e os Juízes de Fora, que se assemelham à Justiça federal itinerante. Os Juízes Ordinários utilizavam “varas vermelhas” e eram independentes, enquanto os Juízes de Fora, com “varas brancas”, exerciam a magistratura por período determinado e eram designados pelo Rei para casos de interesse da Realeza. A segunda instância era composta pelas Relações, que funcionavam como cortes de cassação. A terceira instância era integrada pela Casa de Suplicação (tribunal máximo), pelo Tribunal Desembargo do Paço (que tratava de questões de administração da Justiça, concessões de privilégios e benefícios) e pela Mesa de Consciência e Ordens (lidando com questões religiosas). Essa organização já sinalizava a tradição portuguesa de adotar tribunais especializados, em vez da simples divisão interna dos órgãos judiciários.
Os feitos julgados em primeira instância eram vistos e desembargados pelas Relações e não podiam ser revistos, exceto em casos de nulidade por prova falsa, suspeição ou impedimento do Juiz, revista essa que se assemelha à atual Ação Rescisória (FILIPINAS, 1870, p. 744).
O Brasil só passou a ter uma corte de apelação em seu território em 1609, com a criação da Relação da Bahia, sendo que a Relação do Rio de Janeiro foi criada apenas em 1751. Em 1808, foi criada a Casa da Suplicação do Brasil, que integrava o Tribunal da Mesa do Desembargo do Paço, o Tribunal da Consciência e Ordens, os Juízo privativos (destinados a causas de nobres com foro privilegiado) e o Conselho Supremo Militar de Justiça, além das Relações do Maranhão e do Recife.
I.2. Institutos Processuais das Ordenações Filipinas
O Livro III das Ordenações Filipinas versava sobre o Direito Processual, apresentando uma reforma singela das Ordenações Manuelinas. O Título 20 das Ordenações Filipinas sugere um procedimento oral, incluindo audiências quantas fossem necessárias (e.g., uma para a réplica, outra para a tréplica).
Vários institutos processuais das Ordenações Filipinas se mantêm vivos, ao menos na denominação, até os dias de hoje. Dentre eles, destacam-se: citação (Título I); revelia (Título XV); suspeições (Título XXI); exceções dilatórias e peremptórias (Títulos XLIX e L); contestação da lide (Título LI); prova testemunhal (Títulos XV a XVII); embargos (Título LXII); sentenças definitivas e interlocutórias (Título LXV e LXI); recursos de apelação, agravo de petição e agravo de instrumento (Título LXVIII); custas processuais (Título LXVII); execução de sentença (Título LXXVI); e embargos à execução (Título LXXXVII).
A “Carta Testemunhável” era uma espécie recursal que se equivalia ao Agravo de Instrumento da CLT. Por meio dela, a parte obtinha peças do processo com o Escrivão, formando um instrumento para remetê-lo ao juízo ad quem, na tentativa de destrancar o recurso que havia tido o seguimento denegado pelo juízo a quo. Essa mesma nomenclatura e finalidade persistem no Código de Processo Penal em vigor (art. 639).
Sobre as sentenças definitivas, o Título LXVI estabelecia o princípio de que o julgador deveria decidir com base no alegado e provado nos autos, mesmo que sua consciência lhe ditasse o contrário, visto que somente ao Príncipe, que não reconhecia Superior, era outorgado o direito de julgar segundo sua consciência, sem se prender às alegações ou provas das partes (FILIPINAS, 1870, p. 667).
I.3. A Jurisdição e a Soberania Nacional no Final da Colônia
A Lei de 28 de setembro de 1837 decretou a nulidade das decisões dos Tribunais de Lisboa, o que é considerado um marco de soberania da jurisdição nacional. Outra lei relevante foi a Lei nº 242/1841, que criou o Juizado Privativo dos Feitos da Fazenda Nacional, sinalizando o avanço na especialização de órgãos judicantes como ferramenta de racionalização e eficiência.
II. O Processo Civil no Brasil Império (1822-1889)
II.1. A Constituição de 1824 e a Organização Judicial
O Império teve início com a Constituição de 1824. Esta Constituição e seu Ato Adicional revogaram o Livro II das Ordenações Filipinas, e o Código Criminal revogou o Livro V. Assim, apenas os Livros III (Processo Civil) e IV (Direito Civil) das Ordenações Filipinas continuaram vigentes.
Na égide da Constituição de 1824, a jurisdição era exercida pelo Poder Judicial (art. 10). Na primeira instância, os jurados se pronunciavam sobre os fatos e os juízes, sobre o direito, inclusive em matéria civil (art. 151). A segunda e última instância continuava delegada às Relações, agora denominadas “Relações do Império” (art. 158). Todas as causas estavam sujeitas à “reconciliação” obrigatória (art. 161), proposta pelos Juízes de Paz (art. 162). A Constituição também criou o Supremo Tribunal de Justiça (art. 163), cuja competência se limitava a julgar os Recursos de Revista sobre nulidades e casos de notória injustiça, e os conflitos de competência entre as Relações das Províncias (art. 164), acolhendo a tradição portuguesa dos tribunais especializados.
II.2. O Código de Processo Penal de 1832 e a Ancestralidade do Processo do Trabalho
Em 1832, na esteira do Código Criminal do Império (1830), foi promulgado o Código de Processo Penal. Embora regesse o Processo Criminal de primeira instância, ele continha disposições provisórias sobre o Processo Civil, que são de interesse dada a inequívoca ancestralidade com o Processo do Trabalho.
Em síntese, o procedimento cível iniciava-se com uma audiência de conciliação perante o Juiz de Paz, cabendo a citação por edital para o réu ausente. Frustrada a conciliação, o passo seguinte era uma audiência de instrução, realizada perante o Juízo Municipal, que tinha competência tanto para a fase de conhecimento quanto para a de execução. Nessa audiência, as testemunhas eram inquiridas diretamente pelas partes. As decisões interlocutórias passaram a ser irrecorríveis de imediato: os agravos de Petição e de Instrumento foram convertidos em Agravo Retido. As sentenças deviam conter apenas o pedido, a contestação e a fundamentação.
Desse procedimento é possível extrair princípios que se assemelham ao Direito Processual do Trabalho, como a conciliação (com uma audiência perante o Juiz de Paz que lembra as Comissões de Conciliação Prévia), a concentração (audiência de instrução contínua), a irrecorribilidade das decisões interlocutórias (com a adoção do agravo retido, que lembra o “protesto” do Processo do Trabalho) e a simplicidade de todo o procedimento, especialmente em relação às sentenças. No entanto, a Lei nº 261/1841 revogou o dispositivo do Código de Processo Penal e repristinou os agravos de Petição e de Instrumento.
II.3. O Regulamento nº 737 de 1850: A Primeira Codificação Processual
O Código Comercial de 1850 continha um Título Único com normas de direito processual, seguindo o exemplo da CLT. Ele criou os Tribunais do Comércio, em linha com a tendência de especialização dos órgãos jurisdicionais. Tais Tribunais possuíam composição paritária, com membros do Judiciário (e.g., Desembargador da Relação da respectiva Província) e Deputados comerciantes, eleitos pelos Colégios Comerciais.
O art. 27 do Código Comercial autorizou o Governo a editar um regulamento sobre a ordem dos processos nesses Tribunais. Foi assim editado o Regulamento nº 737, de 25/11/1850, que se tornou a primeira codificação brasileira de Direito Processual Civil. O Livro III das Ordenações Filipinas só foi sensivelmente derrogado por este Regulamento.
O Regulamento 737 estabeleceu um procedimento mais complexo e seguro. Manteve a obrigatoriedade da audiência prévia de conciliação (art. 23), inclusive perante o Juiz de Paz (art. 24). Instituiu requisitos para a petição inicial de conciliação e do contencioso, merecendo destaque o requisito do “pedido como todas as especificações e estimativa do valor quando não fôr determinado”. A ausência do autor à audiência de conciliação gerava o ônus de pagar as custas, sendo condição para o ajuizamento de nova ação (art. 32). Frustrada a conciliação ou em caso de revelia, o processo era remetido à audiência perante o juízo contencioso (art. 35). Contudo, a contestação deveria ser apresentada por petição, e não em audiência (art. 99), seguida de réplica e tréplica (art. 101), alegações finais (art. 223) e sentença (art. 230).
Na seara recursal, o Regulamento tratou dos Embargos de Declaração (art. 639), Apelação (art. 646), Recurso de Revista (art. 665) e Agravos de Instrumento e de Petição (art. 668), além de reestabelecer (sic) “as cartas testemunhaveis que os Escrivaes sob sua responsabilidade tomavam, conforme direito civil” (art. 671). O Regulamento 737 também adotou a divisão de três espécies de ações: ordinária, “summaria” e executiva (art. 65), criando as “acções summarias” para causas mais simples (art. 236) e as “acções especiais” (art. 268). Tratou de institutos ainda vivos, como competência territorial (art. 60), exceções (art. 74), reconvenção (art. 103), intervenções de terceiros (artigos 111, 118 e 123), produção das provas (art. 138) e nulidades (art. 672). Contudo, os artigos 140 a 154 versavam sobre provas absolutas e relativas, numa espécie de tarifação, institutos que não existem mais no Direito brasileiro.
O diploma regulou a execução como ação autônoma (artigos 308 e 476), o juízo arbitral (art. 411) e os recursos já mencionados.
Juristas, em maioria, consideram o Regulamento 737 um verdadeiro monumento legislativo, que marcou progresso no direito processual pela técnica, clareza e simplificação. Pontes de Miranda, contudo, considerou-o "decreto defeituoso, mal concebido, fácil, por superficial e eivado de graves fugidias às mais sérias dificuldades científicas". Já José Frederico Marques sustentava que "o famoso e decantado Regulamento n. 737 é um atestado da falta de cultura jurídica, no campo do Direito processual, da época que foi elaborado". Liebman o descreveu como um diploma onde “in esso si mantiene sostanzialmente inalterata la struttura fondamentale del proceso, mas si formularono le sue regole con grande chiarezza, in brevi e precise disposizione, secondo la tecnica legislativa moderna”. Comparado a códigos posteriores, como o italiano de 1865, o português de 1876 e o espanhol de 1881, o Regulamento 737 revelou superioridade na organização do processo comercial, especialmente em economia e simplicidade.
II.4. Reformas Judiciárias no Final do Império
Em 1871, as Leis nº 2.033 e 4.824 promoveram uma reforma na organização judiciária. A primeira instância passou a ser exercida pelos Juízes de Direito e a segunda, pelas Relações do Império. Em localidades distantes das capitais, a jurisdição de primeira instância cabia aos Juízes Municipais e aos Juízes de Paz, sendo estes competentes para causas cíveis de pequeno valor, com recurso para os Juízes de Direito (art. 22). Os Juízes Municipais julgavam causas de médio valor (art. 23), também com recurso para os Juízes de Direito. Os processos que superassem a alçada dos Juízes Municipais eram por estes “preparados” até o momento do julgamento, quando eram remetidos aos Juízes de Direito.
A Lei nº 2.662/1875 suprimiu os Tribunais e Juízes Comerciais, transferindo as competências jurisdicionais para a Justiça comum (Juízes de Direito e Relações).
III. O Direito Processual Civil na República Velha (1889-1930)
III.1. A Estrutura Judiciária Republicana e as Limitações ao Regulamento 737
A proclamação da República em 1889 levou à necessidade de adequação de toda a estrutura estatal. A primeira medida foi a abolição da conciliação como formalidade preliminar essencial, por meio do Decreto 359/1890. O Decreto nº 510/1890 instituiu uma Constituição Provisória, transformando as Províncias em Estados. O Poder Judiciário Federal passou a ser formado pelo Supremo Tribunal Federal, Tribunais Federais (segunda instância) e Juízes Federais (primeira instância). A Justiça dos Estados deveria ser organizada por eles próprios (art. 62), pondo fim aos Juízes Municipais.
Garantias processuais como a legalidade, isonomia, juiz natural (vedação de juízes e tribunais de exceção) e o habeas corpus foram previstas no art. 72.
O Decreto 763/1890 mandou observar o Regulamento n. 737 de 1850 no processo das causas cíveis em geral, com algumas exceções e providências, tornando-o, na prática, o primeiro código de processo civil do país.
III.2. O Processo Federal de 1890
A força do Regulamento 737 sofreu limitações. A Constituição Republicana de 1891, inspirada no “Judiciary Act” dos Estados Unidos da América, atribuiu aos Estados a competência residual para legislar sobre processo civil, exceto para a Justiça Federal, cuja competência legislativa era privativa do Congresso Nacional (art. 34, 23º).
O Direito Processual Civil federal passou a ser regido pelos Decretos nº 848/1890 e 3.084/1890, que, na verdade, repetiram o texto do Regulamento 737, mas com adaptações visando a simplificação do procedimento. Um destaque relevante para o Processo do Trabalho futuro era o procedimento especial de execução fiscal, que estabelecia o exíguo prazo de 24 horas para pagamento ou penhora (art. 196 do Decreto nº 848/1891) e restringia os embargos à execução aos temas de quitação, nulidade e prescrição (art. 201). O fim da atuação dos Juízes de Paz fez com que a audiência prévia de conciliação deixasse de ser exigida.
O procedimento federal iniciava-se com a instauração de uma “instância” (art. 136 do Decreto nº 3.084/1891), que começava com a citação do réu e findava com a sentença definitiva ou pela “absolvição da instância”. A absolvição da instância abrangia hipóteses hoje denominadas de extinção do processo sem julgamento de mérito (art. 67 do Decreto nº 3.084/1891). O réu era citado para uma audiência na qual o autor apresentava a petição inicial. Em seguida, havia prazos sucessivos de 10 dias para contestar, 10 dias para a réplica e mais 10 dias para a tréplica.
Assim como nas Ordenações, o art. 255 impunha ao Juiz o dever de julgar (sic) “segundo o que achar allegado e provado de uma e outra parte, ainda que a consciencia lhe dicte outra cousa, e elle saiba ser a verdade o contrario do que no feito estiver provado” (art. 255, §1º). O recurso para o Supremo Tribunal Federal passou a ser chamado de “Recurso Extraordinário” (art. 678, “d”).
III.3. O Processo Civil Estadual e o Legado do Regulamento 737
A regra de reproduzir o texto do Regulamento 737 se repetiu nos códigos de processo estaduais. Segundo Moacyr Lobo da Costa (1970, p. 31), os códigos estaduais "nada mais fizeram que reproduzir, na sua generalidade, os dispositivos simples, claros e precisos do velho diploma processual". Na prática, o Regulamento 737 “esteve em vigor até 1940” em alguns estados, considerando que São Paulo e Paraíba só editaram seus Códigos em 1930, e Goiás, Alagoas e Amazonas não promulgaram códigos.
III.4. O Código Civil de 1916 e o Avanço Processual
Em 1916, o Livro IV das Ordenações Filipinas foi derrogado com a promulgação do primeiro Código Civil Brasileiro, o que contribuiu para o desenvolvimento do direito processual civil, editando muitas normas de natureza processual. O exemplo mais emblemático é o texto do art. 75, que dizia que “a todo o direito corresponde uma ação, que o assegura”.
IV. O Processo do Trabalho Incipiente e a Era Vargas (1919-1943)
IV.1. Primeiras Normas Processuais Trabalhistas (1919)
A partir do Decreto Legislativo nº 3.724/1919, que dispôs sobre as obrigações decorrentes de acidente do trabalho, regulamentado pelo Decreto nº 1.348/1919, os ares do Estado Social começaram a produzir efeitos na legislação processual nacional. Essas normas previam um procedimento com prazo máximo de 12 dias (art. 21), tramitando perante a Justiça comum (art. 22). Elas representaram as primeiras normas de Processo do Trabalho no Brasil, vigentes até 1934.
IV.2. O Surgimento dos Órgãos Especializados
O surgimento de órgãos jurisdicionais especializados na matéria trabalhista, ainda que sob a roupagem do Direito Civil, não demorou. Em 1922, o Estado de São Paulo criou os Tribunais Rurais (Lei nº 1.869), integrados pelo Juiz de Direito e dois membros representando locador e locatário de serviços rurais. Em 1923, foi criado o Conselho Nacional do Trabalho, com atribuições consultivas, como órgão do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio.
A década de 1930 marcou um novo momento para o Direito do Trabalho brasileiro, iniciado com o golpe da Revolução de 30, que levou Getúlio Vargas ao poder. Nesse período, o Estado Liberal cedeu lugar ao Estado Social. Foram criadas as Comissões Mistas de Conciliação (Decreto nº 21.396/1932) e as Juntas de Conciliação e Julgamento (Decreto nº 22.132/1932), com atribuições jurisdicionais quanto aos dissídios coletivos e individuais, respectivamente.
IV.3. O Procedimento de Acidentes de Trabalho (1934)
O Decreto nº 24.637, de dez de julho de 1934, substituiu o Decreto Legislativo nº 3.724/1919. Ele estabeleceu um procedimento especial para as ações decorrentes de acidente de trabalho, passando a ter uma audiência de conciliação no prazo de cinco dias, com intervenção do Ministério Público (art. 54). Havendo necessidade, poderia ser designada nova audiência, no prazo de cinco dias, para recebimento da defesa e instrução (art. 56). A sentença deveria ser proferida no prazo de oito dias (art. 58), prazo que se tornou a regra da CLT. Foi previsto o prazo prescricional de dois anos (art. 60) e o recurso de Agravo de Petição como único cabível e com tramitação preferencial (art. 59).
IV.4. A Justiça do Trabalho nas Constituições de 1934 e 1937
A Constituição de 1934, inspirada na Constituição de Weimar (1919), retomou para a União a competência para legislar sobre Direito Processual (art. 5º, XIX, “a”). A Justiça do Trabalho foi instituída pelo art. 139, com a finalidade de "dirimir os conflitos oriundos das relações entre empregadores e empregados, reguladas na legislação social," e à qual não se aplicavam as disposições constitucionais relativas à competência, recrutamento e prerrogativas da Justiça comum. O mandado de segurança foi regulado pela Lei nº 191/1936.
Garantias processuais previstas na Constituição de 1934 (art. 113) incluíam isonomia, legalidade, respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, juiz natural, habeas corpus, “ampla defesa”, vedação de prisão por dívidas (sem exceção), assistência judiciária, mandado de segurança, direito de petição, proibição do “non liquet” e ação anulatória de atos lesivos ao patrimônio público (que viria a ser a Ação Popular). A Lei nº 319/1936 criou o Recurso de Revista, destinado a uniformizar a jurisprudência dos Tribunais de segunda instância (“Côrtes de Appellação”), nomenclatura que já constava das Ordenações, mas com características diferentes.
A Constituição de 1937, outorgada após o Golpe de 1937, manteve a unidade legislativa do Direito Processual (art. 16, XVI). A referência à Justiça do Trabalho, para dirimir conflitos entre empregadores e empregados, foi mantida no art. 139. Contudo, foram omitidas diversas garantias processuais em relação à Constituição anterior, como legalidade, ampla defesa (exceto no processo criminal), juiz natural, vedação de prisão por dívidas, assistência judiciária, mandado de segurança, proibição do non liquet e a ação anulatória.
IV.5. O CPC de 1939 e a Influência na Justiça do Trabalho
Em matéria processual, o Decreto-Lei nº 960/1938 dispôs sobre a Execução Fiscal, que viria a ser fonte subsidiária da CLT (art. 899 da CLT). Este Decreto-Lei adotou o Agravo de Petição para atacar decisões definitivas (art. 45, I), a Carta Testemunhável para destrancar recursos (art. 55), e o Recurso Extraordinário para o STF (art. 56). A CLT inspirou-se nestes recursos, alterando apenas o nome da Carta Testemunhável para Agravo de Instrumento. O Decreto-Lei nº 1.237/1939 instituiu a Justiça do Trabalho, ainda vinculada ao Poder Executivo.
Em 18/09/1939, foi promulgado o Código de Processo Civil (CPC), pelo Decreto- Lei nº 1.605/39, que entrou em vigor em 01/02/1940. O CPC de 1939 aplicou-se subsidiariamente à incipiente legislação processual trabalhista. O CPC estabeleceu que regeria o processo civil e comercial em todo o território nacional, derrogando o Título Único do Código Comercial.
Segundo Alfredo Buzaid, a primeira parte do CPC foi elaborada segundo princípios modernos como a oralidade, a concentração e a identidade da pessoa física do juiz, inspirada nos Códigos da Áustria, Alemanha e Portugal. No entanto, nas demais partes, o Código manteve "injustificavelmente uma série exaustiva de ações especiais" e conservou as linhas fundamentais do quadro de recursos herdado de Portugal, com distinções sutis que os tornavam de difícil manejo. O processo de execução, por sua vez, reproduziu quase integralmente o Regulamento n. 737, de 1850.
No procedimento, o CPC de 1939 continuou a adotar o sistema da “instância” (art. 196). No rito ordinário, o réu era citado para se defender em 10 dias, após o que o Juiz proferia o despacho saneador (art. 294). A instrução e julgamento ocorriam em audiência designada para um dos quinze dias seguintes (art. 296).
Quanto aos recursos, o CPC previu (art. 808): Apelação, Embargos de Nulidade ou Infringentes, Agravo, Revista, Embargos de Declaração e Recurso Extraordinário. O Agravo se dividia em Instrumento, Petição e “nos autos”. O Recurso de Revista (art. 853) era destinado a uniformizar a jurisprudência do Tribunal, guardando estreita relação com a finalidade do recurso celetista de mesmo nome, nos moldes atuais.
IV.6. A Elaboração da CLT (Decreto-Lei nº 5.452/1943)
Durante a "Era Vargas," o Direito do Trabalho avançou em três fases, com intensa produção legislativa. A criação da Justiça do Trabalho foi um marco.
A CLT foi inspirada em fontes materiais como a Encíclica Rerum Novarum (1891), as Convenções da OIT e conclusões do Primeiro Congresso de Direito Social (1941). Embora a Carta del Lavoro (1927) seja frequentemente citada, a influência se restringe à principiologia protetiva do trabalhador. Institutos como o Poder Normativo da Justiça do Trabalho (Nova Zelândia, 1904) e a unicidade sindical (União Soviética, 1917) já existiam antes.
A Comissão de juristas para a elaboração da CLT foi formada em 1942, sob a presidência de Alexandres Marcondes Filho. Membros designados para a consolidação trabalhista incluíram Luiz Augusto de Rego Monteiro, Arnaldo Süssekind, Dorval Lacerda, José Segadas Viana e Oscar Saraiva.
Havia uma divergência na Comissão entre a vertente institucionalista (defendida por Oscar Saraiva e Rego Monteiro) e a contratualista (defendida por Süssekind e Segadas Viana). A teoria contratualista via a vontade como essencial à relação de emprego; a institucionalista dispensava a vontade, focando na adesão do empregado a um grupo social. A vitória foi da corrente contratualista, mas temperada pela teoria institucionalista, concretizada na adoção da tese do contrato realidade (itens 44 a 46 da exposição de motivos).
A CLT foi aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 01/05/1943, e entrou em vigor em 10/11/1943 (art. 911 da CLT). No entanto, a legislação tinha aspectos populistas e elitistas, não contemplando totalmente os trabalhadores rurais e domésticos com os mesmos direitos dos trabalhadores urbanos (art. 7º, “b”).
Conclusão
A evolução do Direito Processual brasileiro, que serviu de base para a formatação do Processo do Trabalho incipiente antes da CLT, é marcada por forte herança da tradição portuguesa e pelo constante movimento de busca por simplificação e especialização, muitas vezes revertido por reformas subsequentes.
O período colonial, regido pelas Ordenações Filipinas, legou institutos processuais fundamentais que persistem até hoje, como a citação, a revelia, as exceções, os embargos, e os recursos como o Agravo de Petição. Das Ordenações e do procedimento processual federal da República, herdou-se a imposição ao Juiz de julgar estritamente "segundo o que achar allegado e provado de uma e outra parte," configurando o princípio da legalidade estrita da prova, mesmo que a consciência do julgador ditasse o contrário.
O Império contribuiu com o Código de Processo Penal de 1832, cuja simplicidade e foco na conciliação e na concentração de atos processuais (com o agravo retido que lembra o “protesto” trabalhista) representaram uma inequívoca ancestralidade do Processo do Trabalho.
O Regulamento nº 737 de 1850 consolidou o Direito Processual Civil e Comercial, mantendo a obrigatoriedade da audiência prévia de conciliação e introduzindo procedimentos mais seguros, além de reestabelecer as cartas testemunháveis, precursoras do Agravo de Instrumento. A República, ao decretar o fim da conciliação preliminar obrigatória e criar o Processo Federal, utilizou o Regulamento 737 como modelo, consolidando-o como a primeira codificação processual civil.
No Direito Processual do Trabalho, a influência mais direta adveio das normas de execução fiscal (Decreto-Lei nº 960/1938), que inspiraram a nomenclatura e a função do Agravo de Petição e da Carta Testemunhável (convertida em Agravo de Instrumento na CLT). O Recurso de Revista, presente desde o Supremo Tribunal de Justiça do Império e na Lei nº 319/1936, também forneceu a nomenclatura para o recurso celetista destinado à uniformização de jurisprudência. O prazo de 8 dias para a prolação de sentença, previsto no Decreto nº 24.637/1934 (acidentes de trabalho), tornou-se a regra na CLT. A Justiça do Trabalho, finalmente instituída na Constituição de 1934, embora inicialmente vinculada ao Poder Executivo pelo Decreto-Lei nº 1.237/1939, já possuía sua estrutura especializada definida antes da promulgação da Consolidação de 1943.
REFERÊNCIAS
BIAVASCHI, Magda Barros. O direito do trabalho no Brasil – 1930-1942: a construção do sujeito de direitos trabalhista. São Paulo: LTr, 2007.
CEZAR, Frederico Gonçalves. O processo de elaboração da CLT: histórico da Consolidação das Leis Trabalhistas em 1943. Revista Processus de Estudos de Gestão, Jurídicos e Financeiros. Ano 3. Ed. 7. Páginas 13 a 20. Jul./Set., 2012.
COSTA, Moacyr Lobo da. Breve notícia histórica do Direito Processual Civil Brasileiro e de sua literatura. São Paulo: RT, 1970.
DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. Constituição da República e Direitos Fundamentais: dignidade da pessoa humana, justiça social e Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2012.
FILIPINAS, Ordenações. Vol. I a V. Rio de Janeiro: Cândido Mendes, 1870. Disponível em <http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/> Acesso em 15/02/2022.
MAIOR, Jorge Luiz Souto. História do direito do trabalho: curso de direito do trabalho. Vol. I. Parte II. São Paulo: LTr, 2017.
ARRUDA, Hélio Mário de. Oliveira Vianna e a legislação do trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 2007.
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